10.18.2009

Sobre a frustração

Tinha outros dois assuntos em mente para voltar a escrever (é, faz um bom tempo que não posto nada), mas me peguei pensando ontem no banho sobre a frustração e como, para mim, ela pode ser um sentimento pior até do que a tristeza. E isso desde criança.
No meio das tantas andanças e mudanças da minha família durante a minha infância, teve uma época que morei em Dois Córregos. E por esse tempo também a minha mãe biológica começou a se aproximar, movida por remorso ou curiosidade, mas isso não vem ao caso. O fato é que como ela morava em São Paulo e só poderia ir nos visitar aos finais de semana. Não a amava, não a admirava, não sentia nada por ela, mas, a esperava. E quantas vezes não descia até a rodoviária e ficava sentada na cadeira de plástico com encosto torto, tentando adivinhar em quantos minutos o ônibus estaria atrasado, para vê-lo chegar de repente e pular como um esquilo eufórico na direção da porta e deixar o coração bater mais forte a cada passageiro que descia. E quantas vezes o ônibus não fechava a porta sem que o motivo da minha espera tivesse descido dali. Me restava desfazer a pose de esquilo eufórico, enfiar o rabo felpudo no meio das patas e voltar pra casa, remoendo a frustração de mais uma vez ver uma promessa descumprida.
A conclusão a que chego hoje é que essa história de que o tempo nos faz melhores, principalmente para lidar com esses sentimentos, é uma absoluta lorota. As frustrações continuam acontecendo, só que de maneiras diferentes, com outros personagens, com outras histórias, com outras mechas de esperanças abruptamente cortadas. E continuo sentido com a mesma força e intensidade a dor que ela causa. A única e real diferença é que agora é possível distingui-la da raiva ou da tristeza ou do ódio.
Enquanto a água quente do chuveiro cozia meus miolos já quase moles, acabei me sentindo de novo a menina de 9 anos sentada no banco frio e torto, mas já sem a euforia de esquilo e com o peito transbordado de uma frustração que poderia alagar a cidade, o país e o mundo. Mas, que naquela hora, só escorria pelo ralo.

5 comentários:

Glauciana disse...

Mara, seu texto fez escorrer uma lágrima em meu rosto. E, desde que aprendi que nenhum choro é de alegria, nunca, peguei no fundo do meu inconsciente minhas memórias mais doloridas também.

E concordo plenamente com você: hoje o sentimento é o mesmo, talvez a diferença seja como ficamos quando inundadas por ele. Antes, como esquilo eufórico, já hoje como bichinho acuado.

Eu também sentia isso em relação ao meu pai biológico. Suas promessas de visitas, que me faziam ficar prontinha no sábado à tarde esperando o passeio prometido. Regalos que nunca chegavam.

Eu também não o admirava e não sei se o amava [hoje tenho certeza que não, mas naquela época não sei precisar], mas precisa sentir-me amada e querida por ele.

Como criança é, não? Ou seria: como o ser-humano é, não?

Leonardo Valle disse...

Mara, fiquei realmente muito emocionado com seu texto. Conheço Dois Corregos, e só de imaginá-la de cachinhos esperando a mãe naquela rodoviaria me parte o coração. Sobre frutração, acho tmb uma lorota tentar ver algo "positivo" no sentimento, como prega a autoajuda. Laços que não tiveram forças para serem refeitos, projetos que não se realizaram, pessoas que não voltaram... frustração é frustração, e ponto final. Um grande beijo, e boa semana. Léo

Marcelo R. disse...

É engraçado como a mente humana chega a ser algo praticamente imprevisível e, mais ainda, inexplicável. Sei de pessoas - talvez até eu - que tenham sofrido o mesmo tanto que você por questões muito mais bestas e, teoricamente, menos tristes. Assim como há gente que lidou com barras até mais pesadas (também teoricamente) e parecem que passaram por tudo como quem passa por uma gripe. Não a suína, é claro...
Como o Leo disse aí em cima, frustração é frustração. Serão sempre tristes. E sonhar com a possibilidade de que um dia sejam diferentes e até apagadas da memória é cair na perigosa armadilha de outra frustração consecutiva, ao encarar que a vida é assim mesmo, sem choro nem vela! Como também, em tantos outros momentos, é legal pra caramba!
Infelizmente, não é a primeira nem a última que vai passar pelo seu caminho (e o meu, e o de todo mundo)... o lance é como a gente reage a elas.

Gustavo Betanha disse...

E difícil imaginar o banho de água fria que aquela criança recebia, quando seu presente mais esperado, embrulhado talvez em ferro, muitas vezes, era apenas uma caixa de presente vazia.
Mas, hoje, eu tenho a certeza de que uma outra criança nasceu, para acabar com essa frustração e, fazer com que aqueles olhos tristes em um banco de rodoviária, se abrissem novamente, com a garantia de que os mesmos erros, serão revertidos em sorrisos e porque não em lágrimas, mas de alegria e gratidão.

Yeda disse...

Mara, lindo esse seu texto... concordo plenamente com o que vc diz...o sentimento de frustração não acaba nunca...vc sabe um pouco da minha história, e acredite, ainda me pego, assim como você, como o esquilo, mas sempre tem um predador que me espanta...e aquela frase que dizem: quando você for mãe, você vai entender!...hoje sou mãe...e agora, mais ainda, que não entendo...só tenho a certeza que quero fazer diferente, para que a Lara nunca sinta por mim o que eu sinto pelos meus pais...beijos pra ti...saudade